Querido diário,
Engraçado. Há algum tempo atrás eu dizia para mim mesmo que eu jamais iria escrever minhas memórias, confissões e pensamentos em um diário. Eu dizia para mim que era perda de tempo. Que era besteira. Que eu poderia estar exercitando a mente de maneiras mais coerentes ao invés de discorrer parágrafos e parágrafos de diálogos e monólogos que perduram por minha mente.
Mas recentemente, tenho me visto em uma situação que para mim, se fazia quase inevitável não ter um confidente mudo, capaz de me ouvir na hora que eu bem entendesse, sem ser alguém inoportuno ou incômodo. Os maiores dilemas, eu diria que não vêm do ambiente e convivência externos. Muito pelo contrário. Eu tenho tudo que é propício para ter estabilidade social. Tenho uma família que sem dúvidas amo e me acolhe muito bem. Dinheiro é o menor dos problemas. E, igualmente, tenho pessoas com quem posso contar. O problema, de verdade, sou eu. Quem sou eu, sem ser um dos descendentes de Lux Novaluna, um dos escolhidos? Quem sou eu, sem ser o Rei Fidem, trigésimo herdeiro legítimo do trono de Lunacavas? Quem sou eu, quando me encontro depositando minha confiança em um pedaço de papel agrupado?
Eu estou no caminho a descobrir tudo isto, que mais vaga por minha mente.
Acho que será bom pra mim, realizar esse exercício de escrita, a fim de me conhecer melhor, definir meu rumo, e igualmente, manter minha excelente caligrafia do comum.
Apenas reconheço que terei de jamais largar disto aqui. Falar para o Mago Baldur trancar isto aqui com algum tipo de magia poderosa a sete chaves.
É meio burro de minha parte ter desaprendido como se realizam escritas ilusórias…
Viria tanto à calhar neste momento.
Eu sinceramente mal vejo a hora de deixar esse lugar aqui. Não que eu não tenha gostado de algumas coisas daqui. Eu achei simplesmente incrível a arquitetura, mesmo que, pelo visto, infelizmente preferiram investir em construções bonitas do que no próprio bem-estar do povo… Mas, enfim. O maior problema daqui é que boa parte das pessoas acham que somos obrigados à seguir à religião deles. Por causa de uma simples exclamação, por um simples Santa Mãe Selune, juntamente de um objeto, eu e meu pai fomos presos e estávamos quase indo para a fogueira, se não fosse graças à ajuda de minha mãe. Eu digo, de verdade, não sei o que seria da gente sem ela.
Santa Mãe Selune sabe que sou imensamente devoto à sua santidade, sendo um fiel clérigo que sou. Mas, reconheço que a tolerância é imprescindível quando se trata de outras religiões. Admito, existem algumas que sou muito averso, como no caso dos seguidores de Hades (aquele maldito…), mas, de qualquer modo, acredito que todas as religiões merecem respeito. Uma pena que aqui isso não funcione.
E os problemas de estrutura da sociedade não param só na intolerância religiosa. Aparentemente, o rei, regente ou seja lá o que for, tem feito um trabalho bem merda. Querem tanto cobrar impostos e mais impostos, sendo que a população está com uma divisão econômica gigantesca. Quando eu e meu pai tivemos de ir em uma parte da cidade em que era sumamente distinta do centro, eu percebi que não fazia sentido algum tantas cobranças sem uma qualidade de vida que justificasse os altos impostos. Eu não culpo aquele grupo nos ter abordado, sinceramente. Devem ter passado por tanto… Sequer tem dinheiro para uma vida digna.
Eu fico feliz ao saber que eu pude lhes incitar o espírito de reconhecimento de quem eram os verdadeiros inimigos deles. Certamente, tem grande ódio pelos cobradores de impostos. Mas no fim das contas, também são peões no jogo de xadrez. E, unindo as causas, é possível (ao menos espero) que haja uma consecutiva mudança no cenário. Não estarei aqui para ver, mas espero de verdade que a população ganhe seu espaço nessa sociedade tão injusta e dividida. Nem que seja através de manifestações artísticas, com protestos… Enfim. Mas espero que haja algum tipo de mudança.
Quando presenciei isto, me recordei de Lunacavas… Como puderam meus descendentes se divergirem tanto do fundador, Lux Novaluna? Todas vezes que ouvi sobre ele, seja por outras civilizações, ou pelo próprio Mago Baldur, ele aparentava ser tão… Justo, altruísta, e benevolente. Como a família decaiu tanto a ponto de precisar investir em formas de repressão, como bem fizeram meus progenitores, Casdos e Orimeia?
Santa Mãe Selune… Que tu resguarde todas as almas que sofreram naquele palácio. Eu me recordo até hoje dos gritos dos pobres cidadãos que eram arrastados e torturados nas masmorras debaixo do palácio…
Eu só sei que, enquanto eu viver, me sinto em plena dívida com todos os áureos. Já sofreram tanto na história… Seja por meus antepassados, seja por Ícaro… Ou pelo próprio sistema que ainda assim permanece pautado na desigualdade.
Séculos e séculos de monarquia em um local que tem diversas cicatrizes justamente causadas por tal sistema. Eu compreendo que, em alguns casos, o sistema não necessariamente é falho. Como, por exemplo, no caso do reino de minha mãe, Rimdalun. A população sem dúvidas tem imensa sorte de viver em um local tão bem constituído e administrado. Agora, já em Lunacavas… Eu não sei, sinceramente. Acredito que um local que desde quase sempre sofreu por repressões e falta de liberdade de monarcas que apenas queriam se autopromover, necessita de espaço para garantir e assegurar a liberdade.
Precisa de mudanças.
Eu estive pensando muito sobre o que meu pai conversou comigo, sobre seguir o dito Caminho do Guerreiro. É algo que sem dúvidas, me agradou muito. Eu estive muito preocupado com o fato de que, caso eu seguisse adiante, a linhagem dos Novaluna pararia por aqui. Mas… Acho que não precisamos de mais Novalunas no mundo, honestamente. A família é assombrada pelos atos do passado… Não precisamos de mais ninguém para carregar consigo tal fardo imenso. Há tempo atrás, eu imaginava que o melhor para os áureos seria se eu continuasse a tradição. Me casasse. Tivesse filhos herdeiros. Os herdeiros se cassassem. Tivessem filhos. E assim por diante.
Mas, honestamente? Não é algo que quero, nem um pouco.
O que mais almejo, é a liberdade… Tanto para mim, quanto para o povo. Santa Mãe Selune, são tantas restrições de liberdade em Lunacavas que chega a ser inacreditável. A constituição em si! Aquilo é ridículo! É crime até discordar do monarca!
Eu sei que será um grande passo para mim. Mas, como bem disse meu pai, eu posso ser aquele que quebra as tradições e faz novas.
Tanto para meu bem, quanto para o bem dos outros.
Eu confio no que estive planejando…
Afinal, confio em todas as pessoas que estão envolvidas nisto.
Querido diário,
Eu sinto falta da época em que tudo podia ser resolvido com um discurso e com diplomacia. Eu compreendo perfeitamente que nada pode mudar subitamente, com um piscar de olhos, mas... Se é pedir demais, seria o ideal.
Tento incessantemente agradar à todos, mas falho miseravelmente nesta tarefa. Anos e anos em que passei minha infância confinado mediante à livros e livros teóricos de política, história e economia, e no fim das contas, de nada servem para que os problemas tão agravantes em Lunacavas sejam resolvidos. Que Santa Mãe Selune me dê forças para continuar adiante neste ofício... Pois a cada dia que se passa, sinto-me ainda mais desolado e perdido em um mar de decisões e escolhas difíceis.
Não somente ao ofício, sinceramente. Mas para minha vida inteira. São tantos conflitos. Tantas guerras. Tantos embates... Me pergunto quando tudo isto irá finalmente acabar.
Será que todos os dias em que cada um de nós levantamo-nos de nossos locais de descanso, abrimos os olhos e seguimos adiante com nossas missões, valem realmente à pena?
Será que todo sangue derramado no campo de batalha, todos inimigos que nos perseguem, servirão de base para que conquistemos a tão almejada vitória no fim de tudo isto?
Quem dera, eu permanecer com todo o otimismo vivo e inabalável que eu tinha há anos atrás, mesmo com o mundo desabando ao meu redor. Já não consigo mais, sem questionamentos, crer em afirmações vazias, repetidas, que nada mais são do que agradáveis mentiras que contamos a nós mesmos todos os dias.
É comum à mim reiterar: "Tudo dará certo", quando duvido muito das próprias palavras que proferi.
Lunacavas tomada por problemas. Guerras se discorrendo por Corus. Dois de nossos aliados desaparecidos. Inimigos retornando. Perdas em combates. Meu grande amigo, Heitor, que deixou este mundo.
Não me pergunto mais quando isto irá acabar.
Me pergunto se isso irá acabar.
Querido diário,
Minha vida não poderia estar melhor.
Contarei-lhe, com minha tão singela visão, com meu sutil conhecimento, que os disponho em forma de palavras dispostas em um papel, como minha antes miserável existência desprovida de verdadeira glória, concretizou-se em um dito sinônimo de magnificência e triunfo, que antes eu tanto buscava, mas tampouco conseguia obter.
Tudo iniciou-se em um templo, juntamente de outros membros da fracassalvorada que, após realizarem um contrato (que por sinal, eu não tive nada a ver), tiveram de seguir as instruções de inscrições antigas do templo, fazerem um círculo (extremamente assimétrico, eu diria) para expulsar um demônio, e blá blá blá.
Já me é cansativo retomar à isto, mas seguirei adiante.
Admito que, inicialmente, eu estava extremamente temeroso que meu fim estaria à um piscar de olhos. Que eu morreria enterrado pelas cinzas do tempo, seria esquecido no local onde fui parar após ter transpassado o solo. Mas eu mal contava com o que me aguardaria adiante.
O quê, e quem.
É irônico como a ignorância pode nos afetar tanto. As lendas malcontadas (e reforçada por outros descrentes do verdadeiro salvador) inicialmente me fizeram ter uma imensa antipatia por Adremeleque. Imaginava que era apenas um inimigo qualquer a ser combatido sem questionamentos, e somente permanecer aceitando isto.
Mas é graças ao Grande Adremeleque que eu enfim pude ter minha consciência leve, e minh'alma, liberta, sem resquícios de arrependimentos passados. Ele, quem me trouxe a verdade. Me mostrou meu potencial que permaneceu recôndito sobre temores estúpidos vindos de outrem, e abrangeu minha verdadeira natureza (que tanto tentei enterrar diante de falsos moralismos e negar), como um Ser Abissal. Outrossim, me fez compreender que a raiva e o ódio não são características a serem desprezadas e acumuladas internamente. O ódio é o combustível para as transformações que movem o mundo.
E assim será feito.
Ao firmar uma aliança com Adremeleque, senti que tudo finalmente fazia sentido. Veja bem, diferentemente de deidades egocêntricas que mesmo estando enfraquecidas e quase não possuindo significância alguma para o mundo ainda assim demandam "servidão", Adremeleque confiou em meu potencial e não me exigiu nada que não me beneficiasse. Sem sombra de dúvidas, nunca fiz escolha tão boa quanto esta. De tal momento para frente, fui capaz de sentir mais felicidade concentrada do que em todos os meus quinze anos de vida antes (Sem contar com o quão belo encontro-me agora).
Selune? A vadiazinha egocêntrica com complexo de superioridade? Tive o imenso prazer de eliminar de meu caminho. Por tanto tempo, perdi meu precioso tempo idolatrando uma deusa que estava nas beiras do esquecimento. Uma deusa que tampouco possuía algum valor. Que me abandonou em momentos de necessidade apenas pelo fato de estar agindo de modo "divergente" ao esperado de seus ideais tão exigentes. Eu passava noites e madrugadas rezando, me sentindo culpado por coisas que eu sequer deveria cogitar culpa. Em troca de quê? Migalhas, míseras migalhas de magia fraca? Senti uma imensa satisfação ao vê-la queimar no chão, com os olhos visivelmente suplicantes e temerosos. Jazia em chamas uma criatura insignificante, sem poder ou forças alguma para me impedir.
Após destruir o último resquício desta crença imprestável, seguimos adiante, a fim de nos encontrarmos com nossos outros aliados. Reconheci um cidadão que me recordava ser de Atlantis, e Corustan. Devo dizer que, felizmente, nossas rixas cessaram, a fim de uma causa justa. Ademais, tive a honra de denotar a presença de Merlin no recinto. É admirável a grandiosidade de seu poder, juntamente da visível força de vontade que este tem a fim de auxiliar os aliados.
Fui recebido extremamente bem. Sobretudo, pelos presentes que me foram dados! Foi excelente estrear minha maça nova em folha em Lara. Não achei que o sangue foi um fator negativo para a estética desta minha nova arma. Muito pelo contrário: o contraste entre o material e o sangue dos inimigos é magnificente. Corustan mencionou, juntamente, que eu poderia ver Zetaia novamente. Tenho sentimentos conflitantes no tocante à isto. Mas, resumidamente, tampouco sinto amor por ela, como antes sentia. Mesmo que esta estivesse em prol de uma causa justa com Merlin, ainda sinto imenso rancor por tomar de mim minhas preciosas moedas de ouro. Eu diria que minha visão permanece unicamente no nível de desejo carnal quando o assunto é ela. Pode ser que tenha alguma função como um entretenimento, sob meus comandos e à meu mando. Ousando fazer qualquer coisa que eu desgoste, elimino-a assim como um mísero mosquito irritante, sem receio algum.
Percebi, além de uma mulher que eu não reconhecia, a presença de Baldur. Toda hora ouvia-o dizer para mim "não faça isso, não faça aquilo".
Mas nada pode me impedir de seguir adiante.
Pois eu enfim encontrei meu lugar.
Eu enfim encontrei a suprema verdade que tanto buscava.
Ouse alguém entrar no caminho de Grande Merlin, e implorará para nunca ter nascido.